viver é um troca-troca de casa. a gente vai crescendo e mudando de opinião, gostos, amantes, amigas, família. tudo muda. ao mesmo tempo, procuramos elementos comuns do que chamamos de casa, esse espaço etéreo do conforto e da vulnerabilidade. vamos desmontando antigas e construindo novas.
no sentido mais literal, tive o privilégio de me mudar de casa algumas vezes na vida. e um dos motivos do meu sumiço por aqui é uma mudança muito planejada, mas que bateu torta na hora que chegou.
vim passar uma estadia de pesquisa em berlim. um sonho que vinha costurando há anos, mas que pareceu descolado da minha vida quando enfim aconteceu. primeiro que uma série de obstinações burocráticas azedou o clima; não sabia até poucas semanas atrás se teria financiamento aqui por seis meses ou dois anos (diferença irrisória de tempo, por suposto). além do mais, o sonho atracou na ressaca de um burnout, volta à terapia (paguei a língua com minha newsletter #13, vejam bem), depressão acachapante e um coração partido; combo de respeito.
encontrar uma nova casa depois disso tudo vem sendo uma aventura. a sensação de deslocamento é totalizante, no bom e no mau sentido. trocar de casa sempre traz algum desajuste, e se acostumar a esse desconforto de partida é um desafio.
é preciso esculpir um universo seu, que você compartilha com o mundo e vê se cola. vai fazendo negociações e compromissos até que as coisas arranjem alguma acomodação precária. insiste para criar novos hábitos, frequentar novas pessoas e tecer novas redes até que o novo não mereça mais o rótulo e sua energia basal para essas coisas aparentemente pequenas não se esvaia em segundos.
e digo isso não só sobre mudar de bairro, cidade, país, continente. mudar de emprego, amigas, relacionamentos. interesses, paixões e outras tantas coisas que deixam de caber em algum momento.
a aventura aqui me trouxe pra um bairro da antiga berlim oriental, embrutecido pela arquitetura soviética e por reacionárias caquéticas (o bairro votou massivamente pelo partido de extrema direita nas eleições europeias). divido apartamento com uma cinquentona que é professora de kitesurf, instrutora de creche e obcecada por cachorros. uma combinação inusitada, mas que me garante um teto todo meu durante a semana, quando a querida vai dar suas aulas de esporte em um lago fora da cidade.
o bairro também conta com uma quantidade inacreditável de funerárias e lojas de flores. passei a associar lírios a velórios desde então; o perfume me leva em linha reta ao cheiro moribundo de corpos apodrecendo. não tive outra saída: passei a procurar com afinco outro lugar menos mórbido pra não esperar a morte chegar.
visitei dezenas de apartamentos fajutos a preços exorbitantes. e aqui pra dividir casa com alguém você faz mais que entrevista de emprego. tem seu ouvido alugado por lânguidas horas a gosto de idiossincrasias das locadoras (homens te alugam por mais tempo, evidentemente) e se vende como a melhor locatária possível. por puro desespero para encontrar algo que não exalasse a energia decrépita do bairro, cogitei até dividir casa com irene, uma mãe solteira prestes a parir (minha solidariedade).
cheguei a me matricular em uma academia. e passei a frequentar até a parte dos narcisos de supino. vamos combinar: tem algo de liberador nessa endorfina toda, especialmente se você tá no fundo do poço. os marombas têm algo a nos ensinar. sem contar o divertimento com as transgressoras que frequentam o espaço de calças jeans e pés descalços (uma pequena comunidade para além da fisioterapia da newsletter #2).
semana passada também fui presenteada com uma urticária terrível e dei entrada no pronto socorro. fiz exames de sangue, eletrocardiograma, duas rodadas de remédios na veia e várias de small talk com as plantonistas.
ainda não me sinto em casa por aqui e o ps me deu uma sensação de desamparo descomunal. ao mesmo tempo, um regozijo safado me invadiu: qual a chance de ser agraciada com uma reação alérgica destemperada a essa altura dos vinte e muitos anos? nunca fui alérgica; nada de rinite e outras -ites. e agora bate essa bomba no país mais avesso do mundo ao contato humano? seria a urticária um grito de protesto contra a separação abismal de corpos por aqui?
segundo a dra judith, urticária idiopática é assim mesmo: você está bem e do nada começa a se coçar sem saber por quê. os gatilhos podem ser infinitos, inclusive emocionais. fico pensando nas quantidades indecentes de curry, picles, álcool, pólen (???) e pistache que comi recentemente.
estou ainda dopada dos remédios pra controlar a pele e tentando me comportar como uma freira vegana hipoalergênica. tomando doses cavalares de chá de camomila e dormindo horrores também. espero ter boas notícias em breve, mas o prognóstico é de que posso ficar em erupção por até seis semanas. aceito dicas de manejo de quem já teve qualquer infortúnio parecido. valendo.
mudar de casa traz sempre um arrebatamento. mas as urticárias eventuais não são tudo. que essas mudanças cheguem bem pra vocês.
boas férias de casa a vocês que insistem em me ler a despeito do sumiço (obrigada por isso!) e até a próxima se a nova casa e a urticária me permitirem.
um beijo com carinho,
má
troquei poucas vezes de casa na vida, mas entendo que há dores e delícias no processo de mudança.
Ma, eu tenho dermatite atópica... urticária é parente, mas diferente. Acho que deve ajudar usar sabonete sem sabão, pra mim o melhor de todos é o Nutratopic da ISDIN. Hidratante por cima de pomada corticoide (se vc estiver usando), aí nesse caso o melhor é o Acquaphor da Eucerin, em spray, que forma uma camada que não sai e é bom pra usar de noite.
Espero que melhore! Essas coisas são bem difíceis!!