hoje me vinguei das pródigas de centímetros. com meu 1,53.5 metro de altura, sempre fui pisada no pé, trombada ou cotovelada porque sou baixinha. como se meu metro e meio de altura não fosse aceitável para uma vida em sociedade não violenta, dramaticamente falando.
eis que estou acompanhada da minha amiga enxaqueca (que tinha me dado um ghosting em meados da pandemia) no ponto de ônibus, esperando minutos (horas) a fio, porque tendo a sempre escolher horas inconvenientes para pegar o 701 (vejo no celular que ele está para sair em 2 minutos quando estou descendo pelo elevador ou me aprontando ainda, e o próximo vai demorar 20), e a revanche despretensiosamente passou ao meu lado.
assim que avisto o ônibus, estendo o braço direito pra fazer sinal ao motorista. entre meus neurônios receberem a mensagem mecânica e o braço se erguer, não deu tempo de ver um varão (palavra cafona alusiva ao fato de varas serem compridas?) de uns 2 metros de altura prestes a passar naquele milésimo de segundo ao meu lado. a mão logo bateu em seu pescoço, em um movimento teatral por ele mesmo (o que me faz duvidar dos reais 2 metros com que o caracterizei, mas talvez a angulação do braço explique).
ato contínuo, pedi desculpas, ao que ele prontamente respondeu que tudo bem. as desculpas já vieram em um tom de deboche, porém. por 26 anos esperei o momento em que não veria alguém muito alto e lhe daria alguma pancada sem querer. por 26 anos — não ouso retirar muitos deles dessa conta porque sempre fui a pintora de rodapé da sala, a primeira na fila da educação física etc., então não posso cravar no fim da puberdade meu declínio métrico (existe adjetivo alusivo à altura como “etário” pra idade?) e meu sucumbimento aos empurrões alheios — por 26 anos, enfim, recebi respingos de bebidas, desculpas esnobes por chulos “não te vi aí” e fiquei com raiva em silêncio.
agora me alegrei com o troco em um rapaz de tez serena. fui de vítima a algoz, me regozijando pela vingança de décadas de opressão pelo tamanho. êxtase maior não há.
façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma miúda se vingou!
seu riso não se percebe
seus movimentos não se abrem
seu nome não está nos livros.
é pequena. mas é realmente uma vingança!
— drummond provavelmente era cego a essa forma de opressão. imagino-o como um homem alto e seco. o google me diz que sua estátua no rio de janeiro tem 1,70m. não é grande coisa, mas já é maior do que a métrica de base das baixinhas. he can't sit with us. então tomem uma paródia corretiva, porque, afinal, vinganças são mais poéticas que flores de qualquer maneira.
talvez a máscara tenha disfarçado meu claro contentamento. mas não pude (nem quis) segurar a risada que me inundou em seguida. logo entrei no ônibus e uma ondinha de bem-estar tomou conta de mim. fiquei olhando para a vítima do ataque fulminante no ponto pelo quarto de segundo até o ônibus partir e pensando como toda minha existência caminhara para aquele momento.
a marininha que vestia roupas infantis em plena adolescência, sapatos que estagnariam no número 33 e até recentemente teve sua idade palpitada em 11 (!) anos a menos por uma taróloga portenha certamente ficaria orgulhosa desse momento sublime.
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quando escrevo isso, hoje, dia 04 de outubro de 2023, é dia dos animais. descobri despretensiosamente ao topar com depoimentos no jornal de donas que perderam seus amadinhos. perdi nina, minha companheira por 17 anos no último dia 20. ainda estou elaborando muito disso, mas não poderia deixar de prestar uma homenagem temática das baixinhas.
ao ler o relato da virginia, 67 anos, que perdeu sua babalu, soltei um gargalhada debulhada em lágrimas:
sinceramente? passou muita gente pela minha vida que não merecem nem 1% do amor que sinto por você. (…) ela era uma poodle branca de, no máximo, 30 cm de altura, mas que arrombou nossos corações.
não sei bem por que me pegou. se foi o contexto solene das homenagens anteriores combinado com o tom profano agressivo de viriginia, a oposição pressuposta entre o tamanho da babalu e a dor de sua perda ou a constatação de que uma aposentada de 67 anos fez esse relato sincerão pro jornal. fato é que foi uma faísca ali no meio de tantas palavras fúnebres.
nina era uma maltês irreverente de, no máximo, 20 cm de altura (como se mede altura de cães, de quatro ou de dois?) e deixou um rombo monstruoso na gente também.
boas férias pra vocês que me leem (muito obrigada por isso <3) e até a próxima.
um beijo com carinho,
má
Ahhh tb tenho 1,53! Doguinhos provando que nao precisa nem de meio metro pra marcar e muito💗🥹
Bô ❤️