inverno é uma coisa que o aquecimento global deveria extinguir de vez. já que temos que sofrer nas mãos desse pilantra, pelo menos que ele nos entregue migalhas de um verão sem fim. mas não, o embuste desconhece negociação. o sofrimento é longo e a derrota certa, com vários invernos massacrantes no meio do caminho.
onde estou vivendo agora, o inverno é muito mais que smalltalk de elevador. o que me irrita profundamente é que ele sequestra os assuntos do ano todo, não importa a estação.
estou engasgando com o pólen na primavera (parece piada; infelizmente não é) e reclamo do frio descondizente com a estação do ano. como resposta, recebo a pedrada “espere só o inverno!”.
no verão, intoxicada com o suor azedo dos usuários de metrô, falo mal do cheiro ruim. “é por isso que prefiro o inverno; odeio me sentir pregando”, uma amiga tedesca me fala.
no outono, então nem se fala. se halloween é a mata ciliar que previne a colonização natalina do calendário festivo de fim de ano, o outono é a mata que barra o avanço do inverno. problema é que, com o desmatamento todo, não sobrou nada para o coitado. minhas sinceras condolências, quem perde somos nós.
hoje ele virou inverno antecipado, com o benefício das folhas caindo e umas cores bonitas — concedo. temperaturas baixíssimas e mãos que arriscam cair se não se esconderem dentro de luvas esteticamente insultantes (fomos tão longe, mas ainda não inventamos luvas tatilmente agradáveis e não desconfortáveis aos olhos humanos).
aceite-se ou não, o inverno bateu mais cedo. e eu que não sou equilibrada nem nada já me antecipei à possível depressão. quem se antecipa não periga.
criei um pequeno projeto de estoque de dopamina (ou serotonina? sempre confundo os hormônios), o projeto inverno. meu projeto inverno é baseado em atividades novas, que eu nunca havia testado antes. ao meu favor estavam as fartas subvenções da faculdade para esportes e atividades culturais.
já fui logo de cara para duas coisas talvez incompatíveis entre si (até que alguém me prove o contrário), o que deixa o projeto ainda mais interessante. futebol e teatro de improvisação.
chega de ser rebelde ao clichê da brasileira que joga futebol. chega de resistir aos rótulos. está no meu sangue. aquela era a hora. para quem viveu o ensino fundamental todo se esquivando com sucesso de esportes coletivos com bola — de queimada e vôlei a futebol e handball —, começar futebol na flor dos 27 anos é um ato de coragem.
não vou mentir que estou apaixonada, em lua de mel, visceralmente necessitando de minhas aulas com a FRAU VALESKA RINGELMANN (musculosas maiúsculas alusivas ao tom em que as aulas acontecem semanalmente), mas é divertido. tenho alguns limites estabelecidos: a Frau já sabe que sou incapaz de embaixadinhas (que audácia é essa de ensinar a praticar embaixadinhas por 15 minutos? canelas roxas me mordam!).
também já comentou que eu pulo demais, o que eu não sabia nem que podia ser conteúdo de um chamão no esporte, mas vejam que fascinante. fazer passes de um pé para o outro não exige pulos; pular é errado! vá tranquila, na maciota — sinto mutíssimo que a Frau não pode expressar seu descontentamento em uma palavra tão saborosa quanto maciota.
semana passada, qual não foi meu ódio ao perceber que esqueci meus tênis para o treino. às quintas, dias de treino, tenho que me aparatar toda para o dia: levar lanches porque pulo de um curso a outro, sem tempo de almoço, e uma muda de roupas, toalha e parafernalha de banho para me trocar no vestuário do ginásio.
ultimamente estava bem orgulhosa porque não mais esqueci a toalha ou o xampu; semanas passadas tinham ora me forçado a ficar fedida na biblioteca (não destoando da fauna local) ou então pedir xampu enquanto molhada, pelada e embaixo do chuveiro para umas colegas banhistas também.
pois bem, dessa vez eram os tênis. e eu estava vestindo nada menos que botas de couro, apropriadíssimas como substitutas de meus tênis já meio inapropriados (mas não proibitivamente caros como chuteiras). não iria perder a aula por isso, que besteira.
eis que vou vestida de tênis e pergunto à Frau Ringelmann o que fazer. ela me pergunta quanto eu calço (33), e não precisamos nem de dois segundos para concluir que seus tênis n. 39 seriam pequenos iates nos meus pés. ela faz a pergunta meio retórica para ver se alguma das colegas tinha um par extra de tênis para emprestar. silêncio ensurdecedor.
era calçar ou tirar. descalça ou com as botas, eis a questão. fui pelas botas. e elas se tornaram um amuleto. em um simples amarrar de sapatos me vi podendo justificar todos passes errados, gols perdidos e atrapalhação ordinária. “são os sapatos”, e a Frau só concordava com a cabeça, em tom de compaixão.
para clara — mechas brancas no franjão contrastando com o castanho escuro do cabelo —, eu estava com tênis hipsters. ela é daquelas pessoas que você olha e pensa que está com a cabeça em saturno, e isso me dava um conforto sem igual. é minha parceira de gol contra, chutes tortos e exercícios mal-executados.
às vezes tudo o que você precisa são botas de couro para jogar futebol. ou futebol pra espantar o frio.
os trópicos estão com um verão batendo à porta, mas solidariedade com as irmãs perdidas no hemisfério errado é preciso.
um beijo e até a próxima,
má
Pra que time vc torce?
eu ri!! amei