ontem eu chorei de soluçar. não conseguia nem terminar uma palavra no meio de uma briga com clotilde. o pior (melhor?) foi que ela carteirou sua formação de terapeuta para dar algum atestado de boa ouvinte e interlocutora. criar um “ambiente seguro”.
estava tudo bem antes disso. me considerava ilesa ao inferno astral que me ronda no momento, a menos de uma semana do meu aniversário de 27 anos. até então, eu tinha até ganhado bilhetes para uma pré-estreia no cinema, uma bicicleta de um amigo emigrante e sessões de riso frouxo por pequenas absurdidades cotidianas.
do nada, o jogo virou. o motivo? uvas. aquelas verdinhas sem caroço – porque odeio a burocracia de cuspir a casca e as sementes de uvas dulcíssimas, como a niágara (e não me arremessem o disparate de engoli-las todas: já tenho que engolir desgostos; todos os caroços e cascas que eu posso evitar, faço-o imperiosamente).
no dia anterior, eu tinha reclamado de clotilde ter comido minha comida – mais uma vez –, sem avisar. a reclamação terminou no zap com um sticker de uma menininha e muitos corações. para mim, clima ótimo. mas ontem, quando olhei um cacho inteiro depenado no lixo, fiquei furiosa. pensei que ela não me levava a sério, teria comido minhas coisas mais uma vez. porra, era só avisar. não queria ficar pagando de muquirana.
a situação toda me transportou para a pré-escola. marininha, que nem um metro ainda tinha e levava lancheirinhas repletas de quitutes pro colégio. sucos de maracujá que faziam a garrafinha de plástico radioativo feder por semanas a fio. e que terminava não comendo os lanchos porque bruna-boca-grande – como apelidou meu avô – comia tudo. eu era bobinha, dividia – eufemismo absoluto – tudo com ela. ela abocanhava sem dó, não sobrava nada para essa pequena pigmeia que vos fala.
hoje chamaríamos de bullying. na época faltava o conceito, psicologia positiva ou qualquer outra coisa. bruna-boca-grande me assombrou por muito tempo. até virar modelo, provavelmente anoréxica e parar de comer. até aparecer uma certa clotilde e surrupiar meus pães, queijos, vegetais e frutas sem escrúpulo algum.
naquela quarta-feira, eram as uvas verdes. medíocres por sinal. a coisa escalou tão forte que uma hora perdi a voz mesmo e me vi chorando. chorando na frente de uma bruna de vinte anos atrás. de uma agora portadora de olhos mais que gulosos – crazy eyes, no apelido carinhoso de algumas testemunhas oculares de clotilde no carnaval daqui (nem merece esse rótulo, porém vamos de autodeclaração mesmo).
apontei sua falta de noção de convivência pacífica. ela me comparou a seu ex-companheiro. mi casa es su casa – no espanhol que ela não domina, mas é uma eterna promessa com sua obsessão por reggaeton e seus sapatos de tango. me senti desconfortável ao ser fagocitada pelo título de seu ex, tantas vezes já discutido por nós. porque com o batman, pipipi popopó — e você pode sempre pegar minhas coisas. vou lhes poupar do resto dos detalhes sórdidos e desinteressantes da rinha. pessoas são difíceis.
*
inferno astral é coisa séria. em um minuto você está bem e no minuto seguinte está chorando por uvas ordinárias. chorando ao ouvir músicas cringe de sua adolescência, ao correr na esteira ao som de goo goo dolls ou só por andar de bicicleta sentindo o vento no rosto. infelizmente, não tinha como justificar a desregulação emocional com base em uma tpm. não às vésperas dos 27.
queria é acelerar os dias, já estou na contagem regressiva por aqui. não sei quais as pequenas obsessões de vocês, mas tenho plena e científica convicção de que números ímpares são melhores do que pares. para tudo na vida, de beijos a datas de aniversário. então, já estou pronta para os 27, como quem sai do purgatório.
virginianas acometidas por setembro, uni-vos! que vocês façam idades ímpares e o inferno astral por aí não atraia tantas intempéries nem uvas destemperadas.
um beijo e até a próxima,
má
vai passar! que seus 27 sejam incríveis! 🥳🥳🥳
team M